quinta-feira, novembro 24, 2011

Valorizar e estudar as máscaras

A ideia que tinha de que muita da força da Festa da Bugiada e Mouriscada de Sobrado reside na máscara - é, de resto, este elemento que une as diversas facetas da Festa sobradense - é reforçado por uma conclusão apresentada recentemente por Sofia Maciel, uma estudiosa das máscaras transmontanas.
Nos estudos de que resultou a sua tese de doutoramento, defendida em 2008 e intitulada "Máscaras transmontanas - dos contrastes antropológicos às confluências filosóficas", fica a ideia de uma enorme densidade e complexidade em torno da compreensão deste objecto material, mas sobretudo simbólico, quando ela escreve (pp. 333-334):

"O mundo de relações simbólicas em que se inscrevem as máscaras não permite que delas se elabore um discurso acabado; pelo contrário, por mais esforço que tenhamos feito na vontade de as explicar completamente, há nelas determinadas características – opacidade, flexibilidade, duplicidade e ubiquidade – que funcionam como obstáculos à obtenção de um conhecimento exaustivo".
Como observa Sofia Maciel, no universo simbólico em que as máscaras e os mascarados operam, "os símbolos são mais reais que o simbolizado". As máscaras "configuram uma realidade que significa em qualquer tempo e lugar, acompanhando os homens, ao longo do tempo, na relação consigo próprios, os outros e o mundo; por estas razões, elas são testemunhos vivos da história da cultura e do pensamento".

Curiosamente, a autora intitula o seu capítulo de conclusões deste modo: «A Máscara, um objecto “bom para pensar”». A meu ver, esta ideia é muito sugestiva e desafiante, na medida em que a "opacidade, flexibilidade, duplicidade e ubiquidade" das caretas, atrás sublinhadas, em lugar de fecharem a possibilidade do pensamento, espicaçam a interrogação e a indagação acerca da perene necessidade da máscara não apenas como instrumento de 'não identificação', mas de 're-presentação' e de transfiguração individual e colectiva.
Também por isso é que continuo a achar que, se queremos valorizar a festa de S. João de Sobrado, será necessário valorizar bastante mais as máscaras, em particular aquelas que poderíamos designar por "máscaras de função", ou seja, aquelas que são usadas tanto pelo Velho da Bugiada, Guias, Meios e Rabos, como as que são utilizadas nos rituais agrícolas e na Dança do Cego. Há, de resto, um sinal de que esta matéria é bem mais importante do que parece: poucos se apercebem que, já hoje e desde há muito tempo, a máscara utilizada pelo Velho, na parte da manhã, não é a mesma que ele traz aquando da ida para o castelo e até ao fim da guerra, prisão e libertação. Por alguma razão será, não?

A tese  "Máscaras transmontanas - dos contrastes antropológicos ás confluências filosóficas" encontra-se acessível em regime livre no Repositorium da Universidade do Minho: AQUI
(Crédito da imagem: Máscara de Freixeda, de Salsas, Bragança, publicada na tese referida).

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