domingo, dezembro 17, 2006

A componente carnavalesca da Festa de S. João

São várias as manifestações presentes na Festa de S. João de Sobrado que podem ser inscritas nas tradições de cunho carnavalesco. É o caso das cenas de crítica social que aparecem desde manhã cedo e até ao fim das Danças de Entrada; é, ainda o caso de alguns pormenores relacionados com os trajes e os rituais (da Lavra, por exemplo), que ocorrem da parte da tarde do dia 24.
Isto não é específico de Sobrado. Como escreve João Ferreira Duarte, Professor da Universidade de Lisboa, que alude, neste contexto, expressamente às Bugiadas de Sobrado, num curto artigo intitulado "carnavalização", publicado no e-Dicionário de Termos Literários:

"Carnaval não se refere aqui apenas ao período antes da Quaresma e centrado no Mardi gras ou Fastnacht, que continua a ser celebrado nas sociedades contemporâneas, mas compreende determinadas festividades que, durante a Idade Média e o Renascimento, decorriam também noutros momentos do ano associados a comemorações sagradas, como o Corpus Christi, e chegavam a totalizar cerca de três meses. As suas origens remontam certamente aos cultos dos mortos e rituais propiciatórios e celebratórios de comunidades agrícolas primitivas que ocorriam durante o tempo das sementeiras e das colheitas, a figuras há muito estudadas pelos antropólogos, como o bode expiatório e o rei sacrificial, e em particular às festas em honra do deus Saturno, que na Roma antiga tinham lugar em Dezembro e eram conhecidas como as Saturnalia. À semelhança do "mundo às avessas" do Carnaval, no tempo em que duravam as Saturnalia vivia-se quotidianamente a inversão da ordem social normal: os escravos tomavam o lugar dos senhores e entregavam-se a toda a espécie de prazeres habitualmente proibidos, numa imitação simbólica do reinado de Saturno, a Idade de Ouro da felicidade e abundância reproduzida na utopia medieval e renascentista do País de Cocanha ou Schlaraffenland."
O autor refere três aspectos do universo do Carnaval dignos de nota:

1) A representação carnavalesca do corpo, a que Bakhtine chama realismo grotesco, é centrada nas imagens deformadas e exageradas do "baixo corporal": a boca, a barriga, os órgãos genitais. (...) 2) O uso da máscara simboliza uma das características mais marcantes do Carnaval: a confusão e dissolução das identidades pessoais e sociais, o triunfo da alteridade durante aquele tempo convencionalmente reservado à transgressão. 3) A relativização da verdade e do poder dominantes constitui um dos sentidos profundos do riso carnavalesco nas suas multímodas manifestações; ao ridicularizar tudo o que se arroga de uma condição imutável, transcendente, definitiva, o Carnaval celebra a mudança e a renovação do mundo."
Qualquer destes aspectos se apresenta como especialmente pertinente em Sobrado.

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