terça-feira, julho 06, 2010

Bugios venceram Mourisqueiros?

Numa notícia escrita sobre a Festa de São João de Sobrado deste ano, uma repórter do Jornal de Notícias escreveu um texto intitulado Bugios venceram Mourisqueiros.
Aparentemente, tem toda a razão. Mas eu gostaria de dizer porque é que discordo desta interpretação.
É verdade que, na narrativa da Bugiada e da Mouriscada de Sobrado, se desencadeia uma guerra, que os Mouriscos atacam e invadem o castelo dos Bugios, levam o Velho da Bugiada preso, saindo aparentemente vitoriosos da contenda.
É também verdade que os Bugios não se rendem à derrota, recorrem a um dragão de alguns metros de comprido, esverdeado e de língua vermelha, aparecem de rompante no caminho dos Mouros e libertam o Velho.
Por conseguinte, a jornalista do JN teria razão. Aparentemente assim é. Porquê?

- Se se tratasse de uma derrota dos Mouros, como compreender que eles, uma vez liberto o Velho e passada a corrida aparatosa da Bugiada se reorganizem e vão tranquilamente para a Dança do Santo, junto ao adro, como se nada se tivesse passado? Se eles fossem uns derrotados, deveriam eclipsar-se e não pôr mais os pés na festa. Mas não: eles continuam na festa, garbosos e organizados como sempre.
Eu proponho uma explicação: nesta festa, e ao contrário do que pretendia, há uns anos atrás, quem relatava a festa no Passal, durante a Prisão do Velho, os Bugios não são os bons e os Mouros não são os maus. De resto, o lado subversivo, orgiástico e excessivo desta festa é precisamente dos Bugios. Os mouros são os bem comportados, os organizados, os disciplinados, aqueles que, no dizer de um forasteiro, "andam muito direitinhos". Não é verdade que são os Mouriscos - e não os Bugios - que têm a honra e a dignidade para ir na procissão e transportar o andor dos santos - e particularmente o de S. João)? Se fossem os maus, como compreender esta situação?
Por isso, o que existe nesta festa não é a convencional e simplista versão da luta entre bons e maus, que termina invariavelmente com a derrota dos maus e a vitória dos bons. Há é uma representação do conflito entre a norma e a sua transgressão, entre o mesmo e o diferente. E esta tensão - que, em Sobrado, redunda em guerra - é uma tensão que não morre, que não é derrotada, porque a vida é feita deste diálogo, por vezes complicado, com a diferença, com os outros que são diferentes de nós, que vêm de fora. Chamam-se Mourisqueiros, como poderiam chamar-se outra coisa. Existem e têm muito a ensinar-nos (e vice-versa).
Por isso eu não acho que seja completamente verdadeiro, do ponto de vista interpretativo, o título do artigo do Jornal de Notícias.

1 comentário:

tsiwari disse...

Gostei dets reflexão... sobretudo da parte do medo de tudo o que vem de fora, que é diferente...


Bem visto.