sábado, junho 05, 2010

Notas sobre o lugar da máscara em Sobrado














Notámos aqui, há dias, o facto de a Festa de S. João de Sobrado ser bem mais do que Bugiada e Mouriscada. Mas falta dizer que há um elemento que une todas as manifestações festivas sobradenses: a máscara, esse objecto extraordinária de usos múltiplos.
A máscara, escreveu Roger Caillois (L'Ombre du Masque, in Intentions), pode servir a quem a usa para se esconder ou para se transformar. Pode ainda funcionar como recurso para o espanto ou para o medo. Intimidação, disfarce, dissimulação. Um jogo ambíguo e de vasos-comunicantes entre ser eu e ser outro, paradoxo entre o mesmo e o diferente, entre esconder e revelar.
As caretas dos Bugios são as das diferenças, dos sonhos, dos fantasmas individuais. Idem para as das Entrajadas que representam personagens algumas delas reais.
Em Sobrado, a máscara do Velho da Bugiada é uma máscara cerimonial. Confere gravitas (dignidade, seriedade, poder) ao seu portador. Muitos não sabem e nunca notaram, mas o rei da Bugiada muda de máscara ao longo do dia. A que leva de manhã não é a que traz ao fim do dia. E o semblante de uma e de outra é relativamente diferenciado.
Outra máscara específica desta festa é a do Cego. Ela introduz um misto de ingenuidade e esperteza, abandono e iniciativa; e, transparecendo a palidez de um cadáver, é sobretudo a máscara do tempo e da sabedoria que ele permite adquirir.
Finalmente, a máscara maior dir-se-ia que é a daqueles - os únicos - que, no S. João de Sobrado, não usam máscara: os Mourisqueiros. Não se estranhe que se diga tratar-se aqui uma máscara. Veja-se o caso do momento-clímax da festa: quando o Reimoeiro entra no castelo Bugio e inicia a operação da Prisão do Velho. Esse lapso de tempo - que não pode ser demasiado curto, mas que também não deve ser demorado em excesso, como por vezes ocorre - é bem a evidência da função da máscara: quando o rei mouro deita a mão ao rei bugio e emergem os dois chefes como protagonistas únicos no cenário da representação, um, através da máscara, é o rosto do trágico desastre; outro, de rosto descoberto - mas que é verdadeiramente uma máscara - trasmite a dureza do poder e da força. E não pode dar sinais de descontrolo e menos ainda de riso. Diz quem vive no palanque estes momentos que não faltam Bugios a dizer, por detrás da máscara, aquilo que o Reimoeiro não quer ouvir, a ver se ele se descontrola, nesse momento que tudo resume.
Uma nota final para dizer quanta pena é ter-se aparentemente perdido a riqueza das máscaras de outrora - de couro, de cartão, de casca de árvore, de madeira. Certamente não seria possível produzir em série máscaras tradicionais dessa natureza. Mas também não é interessante ver cada vez mais máscaras todas iguais, quais clones umas das outras. Era importante prestar mais atenção a este aspecto e, mesmo que se tomasse por base aquelas que existem, nada impediria algum trabalho local de adaptação e retoque pessoal.

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