sábado, junho 11, 2011

As origens da festa e a pergunta sem resposta

O primeiro livro que escrevi teve por tema a Festa da de S. João de Sobrado. Tal como este blog, intitulava-se "Bugios e Mourisqueiros" e contou com fotos a preto e branco da autoria de Armando Moreira (Marco), natural do concelho de Paredes e repórter fotográfico do Jornal de Notícias, onde eu trabalhava então, também, como jornalista. O livro foi editado pela Associação para a Defesa do Património Natural e Cultural do Concelho de Valongo, por empenhamento e interesse pela festa da respectiva Presidente, a Dra Fernanda Lage. Tratou-se de um trabalho académico que eu tinha redigido em 1979, quando era estudante de História, na Faculdade de Letras do Porto, para a cadeira de Etnologia Portuguesa que leccionava o Doutor Carlos Alberto Ferreira de Almeida, de grata memória.
Porque é que refiro estes factos? Porque, apesar do sucesso que o livrinho teve quer em Sobrado, quer nos meios de comunicação - julgo que foi o primeiro que se publicou sobre esta festa - me recordei de um episódio, ocorrido algum tempo depois, que merece ficar aqui registado.
Um dia, em que me encontrava no quintal, junto à casa dos meus pais, vi vir, pela cortinha adiante, um vizinho que eu muito estimava e com quem tive muitas e longas conversas - o Tio Zé Espinheira. Ele tocou violino  durante muitos anos, na 'orquestra' que acompanha as danças da Bugiada e era um interessado por muitos assuntos e também pela festa de S. João. De facto ele era um sábio, mesmo sem ter grande instrução (sim, que uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra).
Como dizia, vi aproximar-se o Tio Zé e reparei que fazia menção de me chamar para junto do muro que separava os dois terrenos. Lá fui ao encontro dele e ele atira-me, de chofre, com a sua voz baixa e suave:
- Sabes, já li o livro que escreveste.
- Ah sim? E que achou?
- Aquilo está tudo muito bem. Mas falhaste numa coisa importante. Não respondeste à pergunta principal.
- Não me diga. E o que foi?
- Não explicas lá em que ano é que a festa começou. Isso é que seria importante. O resto já nós conhecemos bem.
Eu ainda tentei explicar-lhe que uma festa como esta, sem documentação histórica conhecida, torna muito difícil datar o seu início. Mas ele, apertando os lábios e fazendo um gesto com a mão, pretendia dizer: pois é, está tudo muito bem, mas continuamos sem saber há quantos anos a festa se faz.
Eu diria, ainda hoje, que só por milagre ou grande sorte, algum dia haverá resposta para a preocupação do Tio Zé Espinheira. Continuamos a ter de dizer, como os nossos avós: "o meu avô já dizia que os pais e avós deles contavam que esta festa era muito antiga no tempo em que viveram".
Sem documentos escritos, teremos de seguir outras pistas. Os trajes, por exemplo, que não devem remontar, no caso dos Bugios, para lá do séc. XVI ou XVII e, no caso dos Mourisqueiros, terão claras influências dos trajes dos exércitos franceses de Napoleão, que invadiram a Península nos princípios do séc. XIX. Mas, como já tive ocasião de referir, há vários indícios que apontam para que o mais antigo desta festa sanjoanina e solsticial seriam alguns rituais como a Lavra da Praça ou a Dança do Cego e que a Bugiada e Mouriscada sejam originárias de números que figuaravam na procissão de Corpus Christi e que a Igreja Católica, no seu afã purificador, foi depurando, a partir sobretudo do séc. XVIII e que poderão ter sido deslocados para o S. João. Mas tudo isto não passa de suposições que carecem de muita e aturada pesquisa. E que muito menos responde à inquietação do Tio Zé do Espinheira, um verdadeiro sábio sobradense com quem muito aprendi e a quem presto aqui a minha singela homenagem.

1 comentário:

M Vitória Loureiro disse...

Engraçada esta peça de texto... A mim, por outros motivos que não o Seu livro, mas o Ti Espinheira, pai creio eu da D.ª Lina Espinheira, minha catequista, traz-me recordações e o relato de um facto.Recordo-me de há muitos anos atrás, o Ti Espinheira vir pedir emprestado o violino que tocava pelo S.João, ao meu pai, ano após ano até que convenceu o meu pai a vender.Tinha-o comprado por influência do meu avô, que era de Valongo e que tocava bombardino numa orquestra sinfónica que há muitos anos existiu em Valongo.Os meus avós moraram e o meu pai nasceu na casa, creio que agora confirmada, como mais antiga de Valongo, data de 1710.