domingo, junho 08, 2014

Para um dicionário da Festa da Bugiada e Mouriscada (1)

Iniciamos hoje uma série de posts sobre termos próprios da Bugiada e Mouriscada. No final, ficará o contributo para uma espécie de dicionário da Festa de S. João de Sobrado.
Barretina emplumada (Rei)

Chapéu e penacho
Bagadas - Palavra corrente na Vila de Sobrado e na região, para designar lágrimas. Na Festa de S. João de Sobrado, diz-se que as crianças Bugias vão "alimpar as bagadas ao Velho". Isso acontece quando o Velho da Bugiada é preso e o Reimoeiro não cede por nada deste mundo a libertá-lo. Antes de ser levado prisioneiro, despede-se dos seus, em momentos de elevada comoção e lágrimas. É nessa altura que umas crianças se abraçam ao seu patriarca, suplicam clemência ao captor e pegam em lenços brancos para limpar as tais bagadas do prisioneiro.

Bater - Verbo utilizado para referir momentos das danças de Bugios e Mourisqueiros em que os respetivos líderes (Velho e Reimoeiro) dançam com cada um dos pares. Dado o número de intervenientes, no dia da Festa, são batidos apenas alguns dos pares, já que se assim não fosse, as danças se prolongariam por tempo excessivo. No entanto, nos ensaios essa regra é escrupulosamente cumprida.

Barretina - É um objeto cilíndrico que os Mourisqueiros usam na cabeça, decorado com fitas e com espelhos e encimado de plumas. O Velho da Bugiada usa também uma barretina, qe tem, no entanto, um design ligeiramente diferente (termina em bico na parte anterior).

Bugiada - Refere-se ao agrupamento e danças dos Bugios. Representa os cristãos e contrapõe-se à Mouriscada. Quando organizada, estrutura-se em duas filas paralelas, lideradas pelo Velho da Bugiada. O número e exuberância bugia tem levado muitos a designar a Festa de S. João por Festa da Bugiada, se bem que, em rigor, a Bugiada seja apenas uma parte da Festa.

Bugio - Integrante da Bugiada. Não existe controlo relativamente a quem pode aceder ao estatuto de Bugio, havendo na Bugiada novos, idosos e crianças, homens e mulheres. Em épocas passadas, até aos anos 60-70 do século passado, era socialmente mal visto as mulheres irem de Bugio. Mas elas chegavam a participar, procurando disfarçar a sua condição. Usam como traje uma calça terminada em folhos, um gibão e uma capa que vai de manhã sobre os ombros e, de tarde, sob um dos braços. Na cabeça, levam um chapeu de abas largas e um penacho de fitas multicolores. Não se pode olvidar um importante elemento de identificação do bugio: a máscara. Nas mãos, são obrigatórias as castanholas.

6 comentários:

josé campos disse...

Boa noite. Já tinha ouvido falar da Bugiada, mas este ano fui visitá-la pela primeira vez. Isto é cultura dum povo. Novos e menos novos, ricos e menos ricos, todos são Búgios. Ser Búgio é ser português. Nem todo o português é Búgio, mas todo o Búgio é português. E do melhor. Pergunto: para se ser Búgio é necessário ser-se natural ou morador em Sobrado? O vizinho de Ermesinde não pode também ser Búgio? Um grande abraço de muito respeito por uma grande tradição. José, de Ermesinde.

Manuel Pinto disse...

Caro José Campos, em rigor, como se trata de mascarados, não há forma de impedir quem quer que seja, desde que tenha o traje adequado.
Mas devo dizer que a experiência é mais difícil do que possa parecer. Há os ensaios, há uma série de pormenores e, sobretudo, há a paixão e o sentido da festa que só quem está na comunidade ou muito por dentro dela resolve. Não sei se será o seu caso.

José Campos Garcia disse...

Boa noite Manuel Pinto! Obrigado pela resposta. Mas vi muitos Bugios (com acento ou sem assento?) simplesmente a passear pela festa, inclusivamente crianças em carros de bebé, o que achei delicioso. Se eventualmente fosse de Bugio, não deveria participar na festa, digamos assim, porque já não sou um jovem (na próxima bugiada terei sessenta anos... Embora seja jovial, saudável, etc. Mas ser-se bugio talvez seja principalmente encarnar uma tradição que terei tempo de estudar (estou a fazê-lo agora). E uma coisa lhe digo, que já senti: ser-se Bugio é ser-se um democrata. Debaixo da máscara pode estar um sem-abrigo (se arranjar um trajo) ou um venerando juiz desembargador. Como se pode saber? É um Bugio! São todos iguais. Quanto à paixão, senti alguma coisa na alma que deve ser isso que se entende por paixão. Terei tempo para tentar perceber e sentir. Visitar-vos-ei em breve. José Campos Garcia

Manuel Pinto disse...

Boa noite.
Bugios - sem acento.
Já agora: como descobriu a Festa? E o que o fez vir a Sobrado no dia de S. João? A que é que foi mais sensível? (para além do que já referiu - o facto de se tratar de uma festa que inclui os diferentes. Inclusiva, portanto).

José Campos Garcia disse...

Boa noite Manuel Pinto!
Quando pergunta como descobri a Bugiada, há um qualquer coisa de menos bom na festa: não é muito divulgada fora da freguesia. E talvez devesse ser um pouco mais. Ou então é um propósito dos Bugios não se falarem muito fora de portas, para manter uma certa intimidade na festa. Desta forma entenderia. E deixar para os curiosos o envolvimento de a descobrirem e participarem como espetadores. Eu sabia duns festejos no concelho de Valongo que envolviam mascarados. Mas sempre pensei que fosse coisa mais limitada. Acabei por conhecer um quase nada mais sobre a Bugiada porque, por motivos meramente profissionais, acabei por me envolver com alguns responsáveis políticos do nosso concelho em que se falou do reconhecimento da Bugiada com património cultural imaterial pela UNESCO. E sabia que a festa acontecia no dia de S. João. E a curiosidade fez o resto, depois do almoço de S. João com a família e o meu sempre anho assado. Ao fim da tarde fui com a minha mulher a Sobrado, pensando ver apenas os finais dos festejos, talvez uma ou outra máscara e pouco mais. E caio no momento da prisão do Velho da Bugiada! Como não conhecia a história, não percebi. Mas perguntei a um Bugio e a resposta: "isto tem muita história, é difícil dizer assim de repente". Ia seguindo as palavras do narrador, não percebi a história, mas a curiosidade levou-me a abrir a Net ao chegar a casa. E para além do inscrito pela Câmara Municipal no seu portal, caí no seu blog. E muitas perguntas tenho para fazer. Por exemplo: a Bugiada é uma celebração da fertilidade, pois os Mourisqueiros têm de ser homens jovens e solteiros. Nas festividades por esse mundo fora em que intervêm pessoas de determinado sexo, mas jovens, essas festas costumam estar associadas a rituais de fertilidade. E mais: enquanto os Bugios usam máscara, os Mourisqueiros vão de cara destapada, para as raparigas jovens e solteiras olharem bem para eles. Verdade? Proponho-lhe aceitar a minha visita. Hoje, ao vir do trabalho (de Guimarães para Ermesinde)dei uma fugidinha por Sobrado, só para descobrir a Casa da Bugiada. Obviamente que a encontrei.
Finalmente, a pronúncia. A tónica está em "gi" - "Bugiiio". Aqui ouvia "Búgio". Aceite de novo os meus cumprimentos e o meu agradecimento pelo favor das suas respostas.

Manuel Pinto disse...

Caro José Campos Garcia,
muito obrigado pela resposta e pelo seu testemunho de apreço ela Festa.
Do ponto de vista da divulgação, é capaz de ter razão no que diz. Simplesmente o que acontece é que o centro da vila de Sobrado já está mais do que saturado no dia de S. João. Vem muita gente da freguesia e emigrantes, mas também cada vez mais curiosos e turistas. Se ela vier a ser inscrita na lista da UNESCO (processo que é mais fácil de anunciar do que de concretizar) é provável que haja ainda mais procura. Mas é verdade que há ainda muito que fazer neste domínio do estudo e da divulgação. Ela é muito mais do que os Bugios. Os Mourisqueiros são tão importantes como os Bugios - são o contra-ponto. E, além destes, há uma série de outras manifestações, ao longo do dia, que tornam esta festa tão rica quanto complexa. Para ter uma ideia, pode ler este texto: http://bocc.ubi.pt/pag/pinto-manuel-bugiada.html. Um dia que possa, passe também no recém inaugurado centro de documentação, que fica junto à Escola de Fijós, perto do centro de Sobrado.