sábado, junho 08, 2013

(2) Que dizer sobre esta terra, sobre o contexto da festa?


Há enraizada a ideia de que estas manifestações populares que nos chegaram por tradição mas que foram evoluindo com os tempos estão associadas à agricultura e à vida agrícola. Já foi esse o caso nesta freguesia, mas há algumas décadas que não é mais assim. Vale a pena fazer uma rapidíssima retrospectiva.
Sobrado é uma povoação antiga, referenciada pelo menos desde o século XIII, que pertenceu à Terra de Aguiar. Situa-se num extenso vale, nas bordas do qual se situam os diferentes lugares da freguesia. Nesse vale, abrigado por montes praticamente em todas as direcções, volteia o rio Ferreira, que, no regime agrícola que foi dominante até meados do século XX, transbordava nas cheias de inverno e fornecia a água de rega, colhida em pelo menos três pontos, na altura do verão.
Foi o rio que gerou a força motriz que fez trabalhar a primeira unidade industrial de certa envergadura em Sobrado, a Fábrica de Fiação da Balsa, que começou a laborar em Maio de 1860 (docs do Arquivo Municipal de Valongo). Para além dela, muitos sobradenses foram trabalhadores nas minas de ardósia de Campo e do Suzão. Mas a grande mudança deu-se a partir de meados do século XX, com a instalação em Sobrado da Fábrica de fibras artificiais da CIFA, e que absorveu progressivamente largas centenas de homens e mulheres, que deixaram o ritmo de sol a sol para entrarem na modernidade da laboração contínua e trabalho por turnos. A crise do têxtil levou ao seu desaparecimento, em meados da década de 80, num processo doloroso e até traumático para muitos habitantes e para a freguesia no seu todo.
A crise que fez desaparecer a CIFA chegou também a uma indústria de pequena dimensão que a partir dos anos 60 foi ocupando muitos homens – o mobiliário.
O peso significativo da emigração – sobretudo para França, Luxemburgo e Alemanha – foi o ponto de fuga e a miragem da salvação para muitas famílias de Sobrado.
Enfim, se é verdade que o peso do trabalho industrial e assalariado está presente há largas décadas na freguesia, com o que isso envolve do ponto de vista socioeconómico e das mentalidades, não é menos verdade que a agricultura nunca foi verdadeiramente abandonada. Realizada pelos membros da família que ficavam em casa e pelos que trabalhavam nas fábricas nas horas vagas, ela representou um complemento e uma segurança, como aconteceu em muitas outras zonas do Norte do país, sem contar com alguns empreendimentos agrícolas de certa dimensão entretanto surgidos.
Para responder à segunda pergunta, importa dizer que a Festa da Bugiada e da Mouriscada acompanhou estas vicissitudes dos sobradenses, estas alterações profundas dos modos de vida, não apenas locais, mas nacionais. A festa foi, diríamos, testemunha delas, mas também viveu deles e conviveu com elas. E nesse processo complexo, que merecia ser estudado, a festa aguentou-se, enriqueceu-se e até cresceu.
Porquê? Uma hipótese que deixo é esta: porque os sobradenses souberam manter canais de comunicação entre a festa e a sua vida quotidiana, os seus projectos, os seus dramas e os seus sucessos. Voltarei a este aspeto, mas deixo aqui apenas um exemplo: no ano em que a CIFA faliu, quando o desemprego irrompeu em muitas famílias, atingindo, em não poucos casos, mais de um membro do agregado familiar, foi possível ver o assunto ser tematizado nas cenas de crítica da vida local da Bugiada desse ano

Sem comentários: