sexta-feira, junho 21, 2013

Festa da vida e da paixão


A Festa da Bugiada e Mouriscada de Sobrado é como que a outra face do S. João do Porto, mas mais discreta e deslumbrante. Ambas partilham do encontro, da folia, da subversão próprias dos antigos ritos solsticiais; ambas são festas de celebração e refundação da identidade colectiva na rua. O S. João é, no Porto, uma festa nocturna e, em Sobrado, uma festa diurna. E talvez seja por causa do S. João do Porto que muitos forasteiros, interessados em conhecer a Bugiada, se tenham ficado pela cidade, na ressaca da noitada, adiando, assim, para outra vez a deslocação a Sobrado.
Quem vá a Sobrado sedento de exotismo ou à procura de vestígios de um mundo perdido é possível que os encontre. A máscara e a serpe, os guizos e as castanholas, os penachos e as barretinas, as danças e o combate, as músicas e os ritmos do tambor, a cor e a algazarra proporcionam esse mergulho num tempo fora do tempo. É o que se pode chamar um espetáculo completo, suprema colheita para os amantes da fotografia e do vídeo. E, no entanto …
Para a comunidade local, a festa é muito mais do que um espetáculo ou uma reconstituição histórica. É, acima de tudo, o assumir de uma tradição, reinterpretada nas exatas e precisas condições da existência do hoje, local e global. Numa terra que se transfigurou nos últimos 60 anos, por efeito do trabalho industrial, da emigração e da rede viária, esta vila passou a respirar em sintonia com o resto do Município e com a área metropolitana do Porto. Mas os sobradenses souberam encontrar nos novos modos e estilos de vida os pontos de ligação com a sua festa de S. João. Reinterpretaram-na e fizeram-na significativa para a sua vida e para as relações entre eles. Assim, a festa não se tornou um mono, mas antes a festa da vida e da paixão.
Os passos que têm sido dados no sentido do reconhecimento do seu interesse municipal (já concretizado), nacional e internacional (em vias de concretização) são naturalmente motivo de satisfação. Mas representam também um desafio: abertura à promoção de um turismo cultural de qualidade, articulado com outras ofertas na região, sem deixar que sejam pressões externas a condicionar as características, tempos e modos de fazer a festa. Isso é com os sobradenses. Outro caminho acabaria por pôr em causa aquilo que agora mesmo está a ser objeto de reconhecimento e, em última análise, por ameaçar a própria festa. Em suma, uma festa aberta mas sem perder a alma.

[Texto que me foi solicitado para publicação no Semanário Grande Porto, num destaque dedicado à Festa de S. João de Sobrado e previsto para hoje]

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