segunda-feira, junho 10, 2013

(4) Que dizer sobre as origens da festa, a sua longevidade e transformações?


A Festa de S. João de Sobrado, tanto quanto se conhece hoje, não conta com referências ou registos antigos. Não houve associação ou confraria que tivesse o encargo de a realizar. Sendo sobretudo uma festa de danças, de rituais, de manifestações de índole carnavalesca, não tem texto escrito. Um velho sábio que conheci e que me ensinou muito, disse-me um dia, quando foi publicado o livrinho que escrevi sobre a festa, nos inícios dos anos 80: o que fizeste tinha valor se tivesses descoberto o ano em que a festa começou. Isso é que era!
A verdade é que não sabemos e, provavelmente, nunca saberemos. O que sabemos é que ela é muito antiga, visto que os antigos nos diziam que já os seus avós lhes contavam que ninguém se lembrava de quando ela teria começado a fazer-se.
Enquanto outros dados não surgirem, que nos dêem outras pistas, temos de caminhar às apalpadelas, que o mesmo é dizer: analisando as semelhanças e diferenças com outras festas; comparando os trajes, examinando a estrutura, e as diferentes componentes desta tradição festiva e colocando tudo isto em mapas mais vastos.
Corria em Sobrado a crença de que, na guerra civil entre D. Pedro e D. Miguel, quando se deu a batalha de Ponte Ferreira, os habitantes de Sobrado eram obrigados a abastecer as tropas miguelistas, mas nem por isso a festa deixou de se fazer: sobrepôs os ‘canhões’ da prisão do Velho ao troar dos canhões do combate que se travaria a escassos dois quilómetros daí. A verdade é que a data da batalha foi quase um mês depois do dia de S. João, pelo que essa crença ou não faz sentido ou deve ter outra explicação.
Disse-se igualmente que os trajes dos Mourisqueiros, com as suas polainas, barretinas emplumadas e espadins, fazem lembrar as fardas das tropas napoleónicas que invadiram o país, no fim da primeira década do século XIX. As semelhanças chamam, de facto, a atenção, mas não provam muito sobre a antiguidade da festa.
Recuando mais, há quem recorde que Bugiadas e Mouriscadas figuravam, pelo menos até ao século XVIII, em várias procissões de Corpus Christi do Norte de Portugal, incluindo a Serpe, que também aparece em Sobrado e, por exemplo, em Penafiel. A pergunta que ocorre colocar é se as danças e lutas de Sobrado serão tributárias de alguma forma de participação que outrora existisse numa procissão de Corpus Christi ou dela derivada. É matéria sobre a qual pouco podemos acrescentar, no actual estado do conhecimento. Mas neste ponto, a existência de Bugiadas na sede do Município, em finais do séc. XIX (cf Seara, 1896) deixam em aberto a possibilidade de alguma relação de manifestações da Festa de Sobrado com outras tradições na zona envolvente.
Uma coisa é certa: as festas de mouros e cristãos são antigas, não apenas na Península Ibérica, mas noutras partes da Europa e, com a expansão europeia, no Brasil e em toda a América Latina e até em África (Krom, 2012).
As primeiras referências que conheço são de finais do século XIX . Um folheto volante de 10 páginas, com “versos” da autoria do valonguense José Alves dos Reis, datado de 1896, referia o seguinte, sob o título de “Música Gorada”:
Na aldeia pitoresca de Sobrado
Terra aonde se cria o melhor gado
E já deu bastantes brasileiros
Tem hoje denodados Mourisqueiros.
No dia do Baptista S. João
Fazem eles ali grande função
Correm todos em vários desafios
Os Mourisqueiros e garbos Bugios
Os doidos imitando no correr
(e não faltam irmãos para ir ver)
A saltar e pullar por entre a praça
E os doidos socegados achando-lhes graça
(...)”
Antigamente, segundo a tradição, cabia aos lavradores e às casas de lavoura mais destacadas assegurar a Mouriscada, apresentando pelo menos um jovem garboso. Nos nossos dias, já não há casas abastadas de lavoura suficientes para manter essa prática. Qualquer adolescente que tenha um mínimo de jeito pode ir de Mourisqueiro, até porque não tem de comprar a farda. Do lado dos Bugios, sabia-se que a paixão pela festa e a ajuda da máscara levava a que algumas mulheres se atrevessem a participar nas danças, ainda que essa prática fosse censurada pela moral dominante. Hoje são já numerosas as que vão dançar, começando a colocar-se a questão, para alguns e para algumas, de elas poderem ou não subir, como os homens, na hierarquia da Mouriscada.
As próprias fardas, nomeadamente a dos mouros, também mudaram. Na primeira metade do século passado eram de tons mais esbanquiçados, como refere e mostra em fotografia o trabalho de Rodney Gallop, nos anos 30. E hoje desapareceram, entre os Bugios, as chamadas Comedeiras, trajes puídos e velhinhos que alguns arranjavam para poderem comer à tripa forra pelo menos no dia de S. João. Oxalá não voltem esses tempos.

1 comentário:

Unknown disse...

Muito importante divulgar a cultura do nosso Povo.