terça-feira, junho 11, 2013

(5) Como lidar com as pressões externas e internas que uma tradição como esta necessariamente gera?

Uma festa complexa e polifacetada como a Bugiada e Mouriscada está sujeita a múltiplos focos de tensão e mesmo a pressões de sentidos diversos e contraditórios.
No interior da comunidade, as possíveis causas dessas tensões decorrem desde logo do facto de a festa se estruturar em torno de uma luta entre dois grupos: o de toda a gente, digamos assim, folgazão, colorido e excêntrico; e o dos jovens solteiros, que representam o novo, o diferente, o outro. Temos aqui uma tensão entre o
Passal - Espaço privilegiado da festa
passado e o futuro, entre o mesmo e o diferente, que vai ocorrer noutros momentos e manifestações desta tradição.
Depois, há a tensão que decorre da disputa pelos lugares de poder na festa e, particularmente, pelos lugares de Reimoeiro e de Velho da Bugiada. Objeto de sonhos de muitos anos, a ascensão envolve rivalidades, julgamentos e negociações que nem sempre são fáceis de assimilar. Nos últimos anos, quer uma quer outra formação encontraram modos e normas que tornam as escolhas mais transparentes e, espera-se, também mais pacíficas.
Sobrado viu partir muitos dos seus habitantes - poderíamos dizer: umas boas centenas -  e viu também instalar-se no seu território muitas pessoas que trabalham ou estudam fora e isto acarreta diferentes modos de ver e viver a festa, de nela investir. São as dinâmicas próprias de uma comunidade viva.
Mas não podemos esquecer que a Festa não é só dos que nela directamente tomam parte. As mudanças das últimas décadas originaram uma forte mobilidade social e uma facilidade de circulação que faz com que muitos sobradenses vivam fora; que muitos de fora tenham vindo viver para Sobrado; que a abertura ao mundo, proporcionada pelos meios de comunicação, tenha gerado uma maior diversidade de pontos de vista e de sensibilidades, que se reflectem também na festa.
Por outro lado, quem vê a Bugiada de fora, não chega a aperceber-se de que ela é bem mais do que a mera repetição anual de umas manifestações exóticas e interessantes, que dão umas imagens espectaculares para fotógrafos e televisões.
Não é, assim, de estranhar que se repitam as pressões para levar a Bugiada e a Mouriscada para desfiles e outras performances e eventos, desconectando as danças do seu tempo, lugar e sentido. Os canais de televisão chegam até a pretender alterar as horas de certas partes da festa, quando não a encenar movimentos de dança em estúdio, com o argumento de que, por essa via, estão a colaborar na promoção da festa.
Vemos, deste modo, que a Festa da Mouriscada e Bugiada que gera naturalmente tensões vem conhecendo pressões novas geradas na comunidade e fora dela, com as quais é necessário conviver e urge saber gerir. Muitas das tensões exprimem a intensidade e paixão com que aqui tudo é vivido.
Não se pode ser fundamentalista: A festa não é como uma jóia que alguém guardasse em casa com o máximo cuidado para que nada nem ninguém lhe tocasse, para se manter como sempre foi. É viva e, assim como faz a comunidade e configura a sua identidade, também é feita por ela. Porém, também não se pode esquecer que toda a banalização das danças e rituais, toda a cedência a caprichos ou interesses deste ou daquele, se virará a prazo contra a própria festa. Há dinâmicas de mudança na festa que advêm da sua natural adaptação aos novos tempos. Mas há mudanças e mudanças e há que discernir entre o que ajuda a festa a enriquecer-se e aquilo que, a prazo, a pode descaracterizar e matar. Grave seria se algum iluminado entendesse por si só o que é ou não correto fazer.
Para isso à Casa do Bugio cabe um papel que importa prosseguir e aprofundar, de preservação e promoção, ouvindo o conselho de Velhos, os que tiveram lugar de destaque nos Mourisqueiros, os amantes das restantes manifestações da festa, num entrosamento estreito com o pulsar da comunidade local.

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