sábado, janeiro 28, 2012

"Queima do Velho" - iniciativa da Comissão de Festas2012


Vai ser no dia 21 de Fevereiro, dia de Carnaval, às 21 horas, no Passal. A Queima do Velho, uma tradição que vem ganhando maior dimensão nos últimos anos, volta a realizar-se como forma de festejar o Carnaval, de conviver e de angariar fundos para a organização da festa de S. João deste ano. A iniciativa é da Comissão de 2012 e é o seu primeiro evento deste ano.


quinta-feira, janeiro 26, 2012

Mouriscada: “Um dos mais notáveis rituais que sobrevivem na Europa moderna"

Neste post, gostaria de sublinhar alguns aspectos interessantes e curiosos que ressaltam do relato e análise da Festa de S. João de Sobrado feita por Rodney Gallup, no livro "Portugal, a Book of Folk Ways".
Importa observar, antes de mais, que o autor só viu uma parte da festa. Chegando a Sobrado, naquele S. João de 1932 (vai fazer agora 80 anos), pelas 18 horas, decorria aquela que hoje é conhecida como a Dança do Doce. A festa, tendo um certo aparato, era uma tradição pacata, não mobilizando, longe disso, as dezenas de milhares de pessoas que hoje movimenta. Era uma festa simples de aldeia, com meia dúzia de tendas alinhadas a um canto do Passal. Tudo o que o autor descreve relativamente ao que já se tinha passado até àquela hora deve-lhe ter sido contado por habitantes locais ou por quem conhecia a tradição de Sobrado.
É, além disso, interessante observar que, nesta festa, Gallop se sente sobretudo atraído pelos Mourisqueiros. De resto, seguindo uma tradição que também se encontrou em Sobrado, sempre designa esta festa por Mouriscada. Os Bugios são descritos como primitivos e rudes, menos marciais, aprumados e organizados do que o adversário.
Nas danças não se nota nada de especialmente relevante comparativamente com o que hoje ocorre. Apenas chama a atenção a “figura cómica vestida de fato-macaco azul e com uma máscara feita de cortiça”, que seguia o Reimoeiro pelo lado de fora das filas “imitando todos e cada um dos seus movimentos”. Esta figura cómica há muito desapareceu, se é que não se tratou de um caso isolado daquele ano.
Quanto aos trajes, é de referir os fatos de cor clara e os cintos vermelhos dos Mourisqueiros, bem como os trajes dos Bugios, muitos deles alugados em figurinistas de teatro do Porto. De destacar o caso do Velho da Bugiada que levava “um manto eclesiástico de rico damasco encarnado debruado a ouro, com uma dobra sobre os ombros”, escolhido “de entre as vestes ou adereços da igreja”.
As máscaras são um terreno importante em que se registam diferenças relativamente à atualidade. Não é que Galllop faça uma grande descrição sobre como elas eram. Apenas ficamos a saber que algumas representavam caras de animais. Nesta matéria, o que é de facto uma novidade é que o líder da Bugiada só colocava a máscara aquando da Prisão do Velho. Vale a pena chamar aqui a atenção para o facto de que o colocar a máscara significava que um outro momento/tempo iria ter lugar. Isso ainda hoje acontece, através da mudança de máscara, na parte da tarde.
Outra diferenças pode ser encontrada no texto aqui citado: o facto de haver dois embaixadores a correr as embaixadas (e não um, como vem acontecendo nas últimas décadas).
Rodney Gallop aventura-se nos difíceis caminhos da interpretação dos significados desta tradição popular. A sua visão tem a vantagem de provir de um profundo conhecedor das tradições musicais e de dança de diferentes partes do mundo. Destaca-se aqui a sua ideia de que as tradições do dia de S. João de Sobrado não nasceram todas ao mesmo tempo, antes são “um aglomerado de diferentes aspectos, os quais nem todos estiveram sempre ligados”. A outra ideia é que, para além daquilo que se vê – das danças e das lutas – o que se pretende tematizar e representar são os mistérios da sementeira e da fertilidade da terra, a luta pela subsistência, a morte e a ressurreição.
O autor sugere também que aquilo que se vê nesta freguesia pode ter tido inspiração em tradições como o S. João (ou o Corpus) de Braga, nas danças de espadas que surgem em várias outras tradições portuguesas e estrangeiras (recentemente estudadas por Barbara Alge) ou em tradições anteriores, que tenham dado origem a todas estas .
Nos adereços dos Bugios vê Gallop vestígios de “agrupamentos medievais de dançarinos” (assim como poderíamos dizer que os adereços dos Mouriscos se ligam a algumas fardas das tropas napoleónicas dos inícios do século XIX).
Seja como for, é tudo isto que, para este autor inglês, faz do S. João de Sobrado “um dos mais notáveis rituais que sobrevivem na Europa moderna".

(Crédito da foto:  Marjoke Krom , 2007)

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Origens e filiações da festa de Sobrado

Prosseguimos e terminamos a parte dedicada por Rodney Gallop à Festa de S. João de Sobrado, no seu livro, editado em 1936, "Portugal, a Book of Folk Ways":
(...)
Uma tão complexa representação/performance como é a Mouriscada apresenta um certo número de dificuldades para o estudioso do folclore. Na sua forma actual,  ela é claramente um aglomerado de diferentes aspectos,  os quais nem todos estiveram sempre ligados. Trata-se, em primeiro lugar - e isso parece seguro -  de um ritual de fertilidade agrícola. A altura do ano desta performance fornece ampla prova disso mesmo e a confirmação advém de uma manifestação paralela bem curiosa, que tem lugar ao princípio da tarde. Depois de os Mouriscos e Bugios terem feito a sua entrada solene na aldeia (1), mas antes de começarem as suas danças, um dos Bugios anda pela aldeia montado num pequeno cavalo, sentado ao contrário, e lançando sementes de linho (2). O mesmo terreno por ele percorrido é, de seguida, gradado e, depois, lavrado, com dois burros cuja canga é colocada por baixo, de modo que fica dependurada por baixo do pescoço. Antes de chegarem à zona verde do largo, o arado tem de estar feito em pedaços. Tudo isto é feito em ordem inversa e parece ser um processo de 'magia imitativa' que actua por inversão. Os Mouriscos e a Serpe devem ter sido herdados da procissão de Braga ou de algum cerimonial anterior que tenha dado origem a ambos. Os primeiros são seguramente  um grupo de dança de espadas cuja representação ainda é associada à teatralização da morte e ressurreição, que bem pode ter sido a razão original da respectiva existência. Os adereços que os Bugios trazem parecem relacioná-los com agrupamentos medievais de dançarinos; contudo os seus trajes e movimentos grosseiros ligam-nos a outros dançarinos rituais (3), como os Noirs das Mascaradas bascas, enquanto que as suas máscaras de animais e o rei não mascarado se assemelham à festa dos rapazes de Bragança. O nome que lhes dão não ajuda a esclarecer a questão: o seu significado primeiro  é macaco, enquanto que o significado secundário é pantomineiro ou bufão (4).
Falta explicar a batalha entre os dois exércitos. Foi dito atrás que entre as danças que cairam em desuso em Arcozelo da Serra havia uma que simulava um combate entre portugueses e espanhois. Um britânico há muito residente no Porto disse-me que na sua juventude não era de todo invulgar nas zonas rurais à volta da cidade encontrar grupos de mascarados a representar uma batalha entre Mouros e Cristãos. Tais simulacros de combate são também conhecidos noutros países. A Moreska da Damácia é um desses casos e tais batalhas são frequentemente o número principal das representações de danças mouriscas. A opinião local explica invariavelmente que tais danças surgiram para celebrar a vitória em guerras contra os Mouros. Mas é muito mais provável que elas se relacionem com batalhas rituais entre o Verão e o Inverno, de que um exemplo sobreviveu até um pouco mais de um século atrás tão perto de nós como a Ilha de Man, o que só pode ser explicado como um ritual agrícola de magia por simpatia, em ordem a assegurar o triunfo da vegatção sobre o definhamento.
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Notas do texto:
(1) São recebidos à porta do adro pelo sacristão, com uma caldeirinha de água benta que entrega a cada um dos reis juntamente com um ramo de oliveira com o qual estes últimos aspergem os seus homens ajoelhados.
(2) Apesar de ser linho, ele chama-lhe milho, sendo difícil de dizer se há algum significado especial por detrás desta troca.
(3) Na procissão do Corpus Christi de 1621, no Porto, "os pedreiros, canteiros e obreiros com o seu Rei e Estandarte davam uma dança, bem trajados, na forma de bugios, com instrumentos musicais que era costuma usar nessa dança" (Sousa Viterbo, Artes e Artistas em Portugal, p. 245). Vale a pena referir que  Sobrado fica perto das minas/pedreiras de Valongo.
A procissão que se fez em Lisboa, em 1619, em honra de Filipe II de Portugal e III de Espanha incluiu danças em que actuaram bugios (macacos) e papagaios. O uso da palavra espanhola monos (macacos) no poema escrito por Francisco de Arce nessa ocasião confirma a tradução acima de bugios (cf op. cit. pp. 250-5)
(4) Vale a pena referir que nesta representação  parece haver as duas danças cerimoniais distinguidas em  Orchésographie the Morisque and the Bouffons ou Dança dos Loucos, de Arbeau (séc. XVIII).