quinta-feira, dezembro 08, 2011

"O sonho de ser, um dia por ano, dono do mundo"

"O sonho é ir de bugio e a bugiada torna-o realidade. O sonho dos pobrs (e, como o sonhar também enche a barriga, contaram-me que, em Sobrado, um pai levava os filhos a dançar na bugiada para esquecerem a fome). Sonhos de momentos: danças, rituais insólitos, trajos inesperados, fantasias e sonoridades esquecidas. Castanholas e guizos. As cores berrantes, chamando a atenção: este é o meu sonho. E a máscara é presença omnipotente, chave da transmutação. /(Quem somos nós, que a vida é um instante?). Máscaras fantásticas, ocultando rostos. «Quem vai ali?» ninguém sabe, e o bugio não pára, a dançar, a dançar. A correr, a voar pela festa. «Ali vai a minha roupa de bugio». «Então emprestou a roupa?» «Pois! Ai que desgosto, ando aqui aleijado duma perna e num posso andar ós saltos. Bem me custa ver outros com a minha roupa e a minha máscara!». Perguntei a um bugio que descansava da corrida: «Foi você que fez o trajo?». «Eu num sei costurar, mandei-o fazer a uma costureira». «Há quatro anos que venho de bugio». Esta, sim, é a Festa. É o país dos encantamentos que resistem. É o sonho de ser, um dia por ano, dono do mundo. Feito bugio, escondido por detrás da máscara. É a alegrisa (e a dor?)". 
Helder Pacheco  
Nota sobre a Festa de S. João de Sobrado de 1986.
in O Grande Porto. [Novos Guias de Portugal]. Editorial Presença, Lisboa, 1986, p.165.
(No exemplar que me dedicou, o autor agradece o ter-lhe "desvendado o rosto desse país fantástico e terno que permanece na Bugiada de Sobrado").
(Crédito da foto: Marjoke Krom)

1 comentário:

Américo Coelho disse...

Revejo-me,exatamente neste texto, porque isso já me aconteceu.Ninguém calcula,(a não ser quem costuma lá andar)o quanto custa vermos a nossa farda passar, e sabermos que quem deveria ir dentro dela,seríamos nós.É um dia muito triste,apesar de saber que alguém está feliz,e ao mesmo tempo não «estando lá» estamos a contribuir de alguma forma, para que a tradição seja cumprida.Este texto, traduz na plenitude, todos os sentimentos e emoções que se vive nesse dia.Até parece que foi um BUGIO,que o escreveu.PARABÉNS.