Eis uma parte do texto lido pelo Presidente da Associação da Casa do Bugio, na Assembleia Extraordinária da Freguesia de Sobrado, há dias realizada, e que teve como assunto a proposta decisão governamental de unir as autarquias locais de S. Martinho de Campo e de Sobrado:
Sobrado é a sua Festa e a Festa precisa da Freguesia
Sobrado é uma freguesia – ou, para sermos mais rigorosos – uma Paróquia que existe há muitos séculos. Aparece documentada nas Inquirições do séc. XIII, pelo que se pode dizer que tem mais de setecentos anos.
Por alguma razão existiu e perdurou este tempo como unidade autónoma , com os seus serviços próprios, que se foram desenvolvendo até ser elevada a Vila, há pouco mais de dez anos.
Sobrado é, no essencial, uma grande planície com mais de meia dúzia de quilómetros de comprimento, rodeada por montes e banhada pelo rio Ferreira. Criou, ao logo da sua história, uma personalidade muito própria, talvez devido ao facto de as grandes rotas de acesso ao Porto não se fazerem através da freguesia. Na verdade, como chamou a atenção o médico Costa Rangel, natural de Rebordosa e que foi presidente da Câmara de Paredes, num artigo que escreveu no jornal portuense Praça Nova, em 1963, Quem se dirigia ao Porto vindo dos lados de Santo Tirso ou de paços de Ferreira, seguia por S. Julião e por Alfena. E quem demandava a Cidade Invicta vindo dos lados de Penafiel ou Vila Real, atravessava em Ponte Ferreira. Sobrado ficava no meio destes trajectos, relativamente isolado.
Quando os habitantes de Sobrado se tinha de dirigir a Valongo e ao Porto muitos atravessavam o monte pelo Alto de Sobrido, a Sul, e era também esse o caminho quando tinham de ir apanhar o comboio.
Ainda hoje – e este é um argumento que importa ter em conta – a freguesia de São Martinho de Campo é apenas um lugar de passagem para os Sobradenses. Não há nada de essencial, em termos de serviços, por exemplo, que leve o habitante de Sobrado a ir a Campo. E vice-versa. São duas comunidades que coexistem, mas cada uma de forma autonoma.
Mas é também preciso dizer com toda a clareza que Sobrado é muito mais do que uma unidade administrativa. É uma freguesia com uma identidade cultural marcada e única. E essa identidade – que a singulariza entre todas as outras que existem ao seu redor – é a Festa da Bugiada e da Mouriscada.
Esta festa identifica Sobrado e os Sobradenses identificam-se com ela. Esta Festa é, no dizer, de muitos especialistas da cultura popular tradicional, uma das mais curiosas e espectaculares que existem em Portugal. Ela mobiliza praticamente, de forma directa ou indirecta, toda a gente. E está presente em todo o lado, incluindo nas comunidades de Sobradenses espalhados pelo Mundo.
Para que a Festa seja cada vez mais promovida e conhecida – se possível através do reconhecimento como património imaterial português e da Humanidade – é fundamental que tenha por detrás uma autarquia local que a sinta como sua, que esteja disposta a apoiá-la e projectá-la, que a torna a bandeira não apenas da cultura e do turismo, mas também alavanca do desenvolvimento económico e social. A Festa da Bugiada e da Mouriscada é Sobrado e Sobrado é esta Festa. Acabar com a Freguesia não vai acabar com a Festa – porque os verdadeiros sobradenses não o vão permitir – mas vai dar-lhe uma machadada muito forte e isso não podemos aceitar.
Isto não quer dizer que os Sobradenses queiram viver fechados sobre si próprios. Nada os move contra ninguém nem contra nenhuma freguesia. O que eles querem é continuar a ser fregueses da sua Freguesia. O que eles não querem é permitir que, acabando com a freguesia, se ataque a sua identidade cultural, que é parte integrante da identidade individual de cada um dos seus habitantes e que foi forjada ao longo de muitos séculos. E isto não pode deixar de ser tido em consideração, quando se quer, nas costas do povo, violentar uma organização administrativa e um modo de vida que tem funcionado bem. Mudar é o que está mal, não o que está bem. Como diz a canção, “pra melhor está bem, está bem, pra pior já basta assim”.
Sobrado é a sua Festa e a Festa precisa da Freguesia.
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